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sábado, 8 de abril de 2017

Da Ditadura genocida à concentração e miserabilização atual

Julio C  Gambina,

Há 41 anos, um golpe militar instaurou na Argentina a ditadura mais sangrenta da sua história. Mas os interesses que esses militares defenderam através da mais bárbara repressão e de um violentíssimo terrorismo de Estado tiveram e têm continuidade no quadro constitucional posterior a 1983. São os interesses do grande capital, contra os interesses e direitos e contra a ação organizada dos trabalhadores e do povo.

A 41 anos do golpe genocida de 24 de Março de 1976 há que fazer memoria e recuperar os objetivos então propostos pelas classes dominantes para considerar quanto alcançaram e como o aprofundam na atualidade.

Com o terror de Estado exerceu-se a “necessária” violência para reestruturar a economia, o estado e a sociedade, e por isso a cultura do medo, mediante a repressão explícita, para obter uma férrea disciplina social. Por isso não deve surpreender a argumentação ideológica no presente contra a mobilização social em defesa dos direitos dos de baixo. É a cultura repressora da dominação que defende o direito a circular juntamente com os de propriedade, contra os dos trabalhadores, seus salários e condições de emprego.

Sim, há matizes em 41 anos, não é o mesmo a ditadura e os governos constitucionais, não necessariamente “democráticos”; mas existem algumas regularidades institucionais que atravessam todo o período.


A mais importante é a ofensiva do capital sobre o trabalho, e a flexibilização e precariedade laboral constituem uma constante em todo o período. A irregularidade atinge um terço do emprego, é menor que o máximo de 2001/02, mas reflete a voracidade da impunidade empresarial que deteriora direitos e condições de vida dos trabalhadores.

Em consequência da ofensiva capitalista mudou a relação quotidiana entre trabalhadores e seus empregadores, com a clara intencionalidade de restringir a capacidade de protesto e organização sindical, que não é maior em resultado do bloqueamento de uma cultura social e sindical na Argentina, com tradição histórica em diferentes identidades político ideológicas anti capitalistas.

Os instrumentos da ofensiva capitalista foram variados, não só para transformar a relação laboral, mas também o tipo e função do Estado, daí as privatizações e o incentivo à iniciativa privada. Uma lógica que é hoje reiterada com a pretensão de normalizar a educação privada, enquanto na escola pública se “cai” por não haver alternativa para os mais empobrecidos.

O quotidiano organiza-se com a mercantilização capitalista na saúde e a educação, na habitação, na cultura, na segurança ou na justiça; mas não deve esquecer-se que esse propósito formulado em tempos ditatoriais se materializou com governos constitucionais e persiste.

A dívida pública é um mecanismo na origem do que se potenciou em tempos e turnos constitucionais, com uma não alterada “lei de entidades financeiras” em vigor desde 1977 cujo objetivo de concentrar a banca se concretizou ainda mais do que o esperado, juntamente com a sua estrangeirização.

Não pode pensar-se no modelo produtivo atual, readequado nestas décadas, sem ter em conta o propósito explicitado pelo Plano de Martínez de Hoz em Abril de 1976, cujo eixo guia foi impulsionado sob a orientação de Cavallo com presidentes peronistas e radicais.

Os objetivos da ditadura não se materializaram apenas sob condição de golpe de Estado, mas também com legislação aprovada pelo Parlamento, sejam as leis da impunidade ou a lei antiterrorista, antecedente de qualquer protocolo de repressão contemporâneo.

É este trajeto que permite explicar os 33% de pobreza e a concentração em poucos multimilionários do petróleo, da construção ou das finanças. Refiro-me a Alejandro Bulgheroni, Eduardo Eurnekian, Alberto Roemmers, Gregorio Pérez Companc, Jorge Horacio Brito, Eduardo Costantini, ou Marcos Galperin. A Argentina replica o que se passa no mundo, onde 8 fortunas individuais detêm a mesma riqueza que 50% da população mundial.

É de interesse recuperar a memória, sim, mas também considerar as continuidades essenciais em tempos constitucionais para tornar a Argentina funcional para a ordem capitalista mundial, agora – no quadro da crise - desafiada ao seu próprio reordenamento. Este manifesta-se nas críticas à globalização capitalista a partir das suas próprias classes dominantes, caso do BREXIT ou do triunfo de Trump, ou da expansão visível das direitas mundiais que se oferecem para reformar em seu benefício o capitalismo atual.

São reformas para relançar a lógica do lucro, da acumulação e da dominação. Por isso há que pensar em termos alternativos, o que supõe a crítica aos processos de mudança que se processaram ou processam na nossa região e discutir a necessária transição da ordem atual para formas sociais de organização da produção e da vida quotidiana colocando em primeiro lugar os direitos humanos e os da natureza.

A gigantesca manifestação de recuperação do acontecimento que o genocídio representou pode servir para construir subjetividade e propostas programáticas para uma crítica do passado e do presente, juntamente com debate sobre o próximo futuro de emancipação social.

Buenos Aires, 23 de Março de 2017

fonte: O Diario,info

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